As casas de acolhimento institucional enfrentam uma série de desafios estruturais e financeiros para manter suas portas abertas. Sustentadas majoritariamente por doações, trabalho voluntário e campanhas de arrecadação online, essas instituições operam frequentemente no limite da capacidade.
O Instituto Dad’s Curumim, localizado em São Paulo, é um dos exemplos dessa luta diária. A entidade, que não recebe apoio direto da prefeitura, depende de doadores para manter suas atividades. Segundo Cláudia Menczigar, uma das responsáveis pelo instituto, o maior obstáculo atualmente é a regularização junto ao COMAS (Conselho Municipal de Assistência Social). A certificação é essencial para que a instituição possa receber benefícios como descontos em contas de luz, verbas oriundas da Nota Fiscal Paulista e outras formas de incentivo público. No entanto, o processo para obter o documento é altamente burocrático e exige requisitos técnicos que demandam gastos elevados — como a contratação de um número alto de funcionários.
“É uma papelada enorme, muito difícil. Cada vez que a gente tenta avançar, bate em alguma exigência nova. E sem esse documento, perdemos muitas oportunidades de ajuda”, relata Cláudia. A situação se agrava diante da ameaça de despejo: a dona do imóvel atual já sinalizou que não deseja renovar o contrato, e o instituto ainda não conseguiu se mudar por falta de recursos e documentação exigida para alugar uma nova sede.
Além disso, as crianças acolhidas frequentemente chegam em condições delicadas de saúde e com demandas especiais, o que aumenta ainda mais os custos e a urgência por estrutura adequada. “Temos bebês que precisam de fórmulas específicas, como leites especiais, e muitas vezes temos que correr atrás por conta própria para garantir que eles tenham o que precisam logo nos primeiros dias”, completa.
O cenário de violência não é exclusivo de São Paulo, como é possível ver através dos dados divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), reportados pelo Consultor Jurídico em 15 de dezembro de 2024:
No interior do Rio Grande do Sul, um abrigo localizado na cidade de Estrela, enfrenta dificuldades severas desde a enchente que atingiu a região em maio de 2024. Antes do desastre, a instituição operava em uma casa considerada adequada, adaptada para atender às necessidades específicas das crianças acolhidas, com espaço mais estruturado e seguro. No entanto, a enchente desestruturou essa sede, levando à perda total dos recursos materiais da instituição.
Sem alternativas imediatas, a equipe foi obrigada a retornar a sua antiga edificação, já anteriormente classificada como inadequada. O imóvel apresenta diversos problemas: está localizado em uma região central, em frente a órgãos públicos como CRAS, CREAS e a Caixa Econômica Federal, o que expõe os acolhidos a contatos indesejados com familiares — situação que compromete a privacidade e a segurança das crianças. Em decorrência disso, a instituição teve de restringir a circulação externa, organizar deslocamentos monitorados e adotar medidas extras de proteção.
As dificuldades, no entanto, não surgiram apenas após a enchente. Enquanto era administrado pelo poder público, o abrigo já enfrentava sérias limitações operacionais devido à rigidez dos procedimentos burocráticos exigidos pelas normas de licitação. Em situações emergenciais — como a necessidade urgente de medicamentos —, os trâmites para aquisição, que envolviam múltiplos orçamentos, abertura de processos e liberação de empenhos, frequentemente resultavam em atrasos inaceitáveis, comprometendo o atendimento imediato às crianças.
Apesar das diferenças, as duas casas enfrentam obstáculos parecidos: falta de recursos, entraves burocráticos e estruturas que nem sempre garantem o básico para cuidar bem das crianças. Seja na tentativa de regularizar documentos, conseguir apoio público ou lidar com emergências sem resposta rápida, o que mais pesa é a distância entre as exigências do sistema e a realidade de quem acolhe.